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sexta-feira, 30 de setembro de 2011

A Entrevista

Efigênio Moura

Locutor de rádio é amostrado que só a molesta. Imagina aí um locutor de Difusora?
Em Taperoá, quando ainda não havia Radio Comunitária, havia a Difusora de Chédi .Era na Difusora de Chédi que trabalhava Beto Catôco, locutor daqueles bem vibrantes, que enrolava os erres, e chiava nos tis e dis. O sonho de Beto era entrevistar artistas famosos (de forró principalmente) e naquela festa da padroeira aconteceriam dois shows com duas atrações distintas, uma era a Banda Siri com Toddy, a outra Maciel Melo.
O primeiro show seria o de Maciel Melo. Cidade pequena, todo mundo em agitação por conta da presença do artista e lá vai Beto Catôco fazer a entrevista AO VIVO com Maciel Melo.  Do Studio da Difusora até o hotel que Maciel estava não dava 50 metros.
O local da entrevista seria a recepção do hotel, uma mesa posta no centro da sala, dois tamboretes e dois microfones.
Maciel Melo com sua particular paciência e atenção à imprensa e fãs, já aguardava Beto Catôco para a entrevista. Perfumado e bem penteado, Beto Catôco (ele tinha sim os dois braços e as duas pernas) cumprimentar o artista e depois dos reclames começa a entrevista, acompanhada por toda a cidade:
Agora senhores ouvintes, a Difusora de Chédi tem a honra de entrevistá Maciel Melo, o melhor cantô de forró do mundo qui abrange, qui abraça, qui é toda Taperoá, Estaca Zero, Livramento, Desterro e um pedaço dos sítio de São José dos Cordeiros... Boa tarde Maciel Melo.
- Boa tarde  Roberto...
- Não, meu nome é Beto... Beto Catôco pode chamá assim, da mais ibope.
- Boa tarde amigo locutor.
- Beto Catôco.
- Han?
- Voce num disse meu nome, Beto Catôco.
- Boa tarde Beto Catôco e todos os outros  dessa nobre família catocável...

Beto franziu a testa e partiu para a entrevista propriamente dita. Se os amigos não perceberam há em uma entrevista uma guerra escondida declarada silenciosamente pelo entrevistador. Ele sempre quer saber mais que o entrevistado.
- Meu povo de todo canto, Maciel Melo, esse artista lá de Iguaraci, é um homi letrado, arrochado, um homi qui já iscreveu tanta cantiga qui eu nem sei contá dereito, már vamo pro quinteressa, pra’s preguntas...
- Vamo simbora.
- Maciel, cumo o cantô tem muita cantiga eu quiria debatê somente uma letra duma musga, tá bom assim?
- Tá, mas a gente podia falar também do show, dos músicos, do disco novo...
- A gente fala premeiro das coisas qui interessa aos povo. Adispois das coisa qui o cantô quisé, se dé tempo...
Maciel se remexeu no tamborete.
- Tem umas dez noite qui num drumo dereito tentano intendê uma letra qui você fez- posso chama você de você, Maciel ?
- Pode claro.
- Antão mim chame de Beto Catôco viu?
- Chamo.  Que letra é essa?
- Beto Catôco.
- Claro, que letra é essa Beto Catôco?
Beto sentiu-se importante.
- Cabôco Sonhadô.
 - Essa música eu fiz em 82 e só  fui gravar  em 2001, mas antes...
- O povo de Taperoá, onde a odiença da difusora dá de lapada na  Grobo , qué discutí cum cantô a letra da cantiga...
- Opa vamo lá.
- Beto Catôco.
- Han?
- O cantô tem sempre qui finalizá a frase cum Beto Catôco, quano fô uma pregunta de importança grau  73...
Agora Maciel ajeitou os óculos e olhou para o empresário que fez o sinal de paciência. “Que bexiga de grau seria aquele?” Deveria estar se perguntando.
Volta Beto Catôco. Caboclo Sonhador já toca ao fundo...
- A gente nota qui o amigo é muito religioso.
- Sou sim Beto Catôco.
- Quem é esse Monsinhô qui você fala na musica ?
- Oxe !! Tem Monsenhor não ?
- Tem sim.
-Tem não.
Beto pega a letra da musica e ler:
 - ‘Sou um cabôco sonhadô Monsinhô viu? ’
- É Meu Senhor. Não é Monsenhor.
- Esse sinhô num siria Jesuis Cristo? Meu Sinhô Jesuis Cristo?
Maciel balança a cabeça e fingi que sim, afasta o tamborete da mesa e curva o dorso, suspira alto e diz...
- Próxima pergunta.
- Maciel Melo, você tão religioso pruquê faz propagana de jogo de azá ?
- Oxe homi? Onde danado eu fiz isso?
- Na letra de sua musga, quano você diz Mega e Quina. Né dôi jogo de loteria? Num é?
- É nada. Mega e Quinha são os apelidos de meus irmãos, Miguel e Marcos. São pessoas que eu gosto muito e as homenageei.
- Voce num é de nascença de Iguaraci, in Perrnambuco ?
- Com a graça de Deus, sou sim.
- Num intendi, Taperoá inteira num intende pruquê você fala de sua vorta pra Guarabira se tu nem é de lá?
- Onde molesta eu falei em Guarabira homi de Deus ?
- Beto Catôco.
- Que seja, onde eu falei em Guarabira?
- Tem um trecho qui diz mermo assim: “E meu regresso para o Brejo diminui a minha reza!”. Esse Brejo só pode sê Guarabira e essa reza é pra Frei Damiao, pro causa da istauta? Aí mais na frente tu fala quié devoto de Padim Ciço. Da pá intendê? E inda tem ôta coisa: o padroêro de Iguaraci né São Sebastião? Oxe, inrrolada da gota.
Maciel apenas se levanta, abraça o empresário e saem os dois da sala.
Beto Catôco perplexo encerra a entrevista, sozinho:
- Danou-se, sêle num intende as coisas quê’le mermo  iscreve, magina nós e eu tava doidim  pra sabê o  qui bixiga ele quis dizê cum “  In meu regaço fulminado”...

Chédi mandou tirar Beto Catôco do ar.

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