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quinta-feira, 28 de junho de 2012

O imortal Ronaldo Cunha Lima

Inácio A. Torres
 
A primeira vez que vi Ronaldo Cunha Lima aconteceu em Patos, no Fórum Miguel Sátyro, durante um júri popular. Depois, durante uma festa universitária na mesma cidade, assisti-o proferir uma palestra sobre Augusto dos Anjos. Nesse mesmo evento, estiveram presentes Raimundo Asfora e Vital do Rego, dois outros políticos e advogados que enaltecem a Paraíba.

A parti daí passei a admirá-lo mais ainda, quer como poeta quer como estrategista político e orador de memória prodigiosa. Mas foi em Cajazeiras, no início dos anos oitenta que, com a ajuda do nosso inesquecível Bosco Barreto, fomos apresentados pessoalmente a Ronaldo. Depois ganhamos dele um CD autografado com seus poemas, que guardamos com muito cuidado e respeito.

Porém de sua vasta obra, temos conosco, presente de um amigo de infância, Adalberto Bernardo (in memória), o poema “habeas pinho” (manuscrito), o qual, costumeiramente, jovens de nossa época declamavam. O Dr. Nilson Batista (in memória), Bioquímico, músico e compositor patoense consagrado era um declamador desses.

Esse poema retrata um cenário de uma noitada de boemia, quando um grupo de jovens fazia uma serenata e acabaram sendo presos. No amanhecer do dia foram liberados, porém o violão ficou “detido”. Esse fato chegou ao conhecimento do famoso advogado e poeta Ronaldo Cunha Lima, que resolveu enviar uma petição ao Juiz da Comarca, em versos, na qual solicitava a liberação do instrumento musical. Numa homenagem ao grande poeta, político e advogado paraibano, transcrevemos abaixo esse documento e a resposta do juiz também escrita em versos.

Ronaldo é membro da Academia Paraibana de Letras.


A petição de Ronaldo Cunha Lima:

O instrumento do "crime" que se arrola
Nesse processo de contravenção
Não é faca, revolver ou pistola,
Simplesmente, Doutor, é um violão.

Um violão, doutor, que em verdade
Não feriu nem matou um cidadão
Feriu, sim, mas a sensibilidade
De quem o ouviu vibrar na solidão.

O violão é sempre uma ternura,
Instrumento de amor e de saudade
O crime a ele nunca se mistura
Entre ambos inexiste afinidade.

O violão é próprio dos cantores
Dos menestréis de alma enternecida
Que cantam mágoas que povoam a vida
E sufocam as suas próprias dores.

O violão é música e é canção
É sentimento, é vida, é alegria
É pureza e é néctar que extasia
É adorno espiritual do coração.

Seu viver, como o nosso, é transitório.
Mas seu destino, não, se perpetua.
Ele nasceu para cantar na rua
E não para ser arquivo de Cartório.

Ele, Doutor, que suave lenitivo
Para a alma da noite em solidão,
Não se adapta, jamais, em um arquivo
Sem gemer sua prima e seu bordão.

Mande entregá-lo, pelo amor da noite
Que se sente vazia em suas horas,
Para que volte a sentir o terno acoite
De suas cordas finas e sonoras.

Liberte o violão, Doutor Juiz,
Em nome da Justiça e do Direito.
É crime, porventura, o infeliz
Cantar as mágoas que lhe enchem o peito?

Será crime, afinal, será pecado,
Será delito de tão vis horrores,
Perambular na rua um desgraçado
Derramando nas praças suas dores?

Mande, pois, libertá-lo da agonia
(a consciência assim nos insinua)
Não sufoque o cantar que vem da rua,
Que vem da noite para saudar o dia.

É o apelo que aqui lhe dirigimos,
Na certeza do seu acolhimento
Juntada desta aos autos nós pedimos
E pedimos, enfim, deferimento.

A resposta do Juiz Roberto Pessoa de Sousa: 

Recebo a petição escrita em verso
E, despachando-a sem autuação,
Verbero o ato vil, rude e perverso,
Que prende, no Cartório, um violão.

Emudecer a prima e o bordão,
Nos confins de um arquivo, em sombra imerso,
É desumana e vil destruição
De tudo que há de belo no universo.

Que seja Sol, ainda que a desoras,
E volte à rua, em vida transviada,
Num esbanjar de lágrimas sonoras.

Se grato for, acaso ao que lhe fiz,
Noite de luz, plena madrugada,
Venha tocar à porta do Juiz.


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