Leiloar a virgindade é prostituir-se?
Inácio A. Torres
Uma jovem catarinense, de vinte anos de idade,
estudante de Educação Física, resolveu negociar sua virgindade, utilizando-se
de um leilão, promovido pelo site Virgins Wanted – Procura-se Virgens. O
idealizador dessa comercialização é o produtor de cinema Justin Sisely.
Na Austrália, país onde a universitária será desvirginada, Sisely produzirá um “documentário” sobre a vida da moça, incluindo no roteiro a perda da virgindade. Conforme a imprensa, para garantir total segurança do casal, corre em sigilo o local e data onde deverá ser consumido o ato. Uma indagação pertinente: Quais imagens desse roteiro, além da cena de uma relação sexual com a perda de virgindade, interessará a platéia, que certamente assistirá o filme, ofertando vultoso lucro para o produtor? No palco da vida, o desempenho dessa moça não parece ser muito curto para merecer a construção de um documentário de divulgação mundial?
O certo é que, no início deste mês (novembro), a
jovem, acompanhada do produtor, visitará o Brasil para os acertos finais e,
consequentemente, para fazer a divulgação do seu filme. Falando a imprensa, a
universitária sempre argumenta que esse seu gesto deve ser visto como uma causa
justa e humanitária, pois com a venda de sua virgindade por R$ 1,5 milhão (o
vencedor do leilão é um japonês de nome Natsu), ela terá condições para ajudar
sua família, seus amigos e doar uma parte do dinheiro obtido com o negócio.
Ela garante que está bem segura e demonstra firmeza em
sua fala. Todavia, ainda tropeça em responder quando acusam-na de estar se
prostituindo. Daí porque, sem falso moralismo ou prejulgamentos - e em respeito
às brasileiras profissionais do sexo -, entendendo tratar-se de uma questão
que, embora antiga seja ainda bastante polêmica, resolvemos fundamentando-se
numa consulta literária bem consolidada, construir esse ensaio.
Iniciemos por alguns conceitos básicos. Dentre esses
destacamos: lenocínio, que conforme os dicionaristas, significa crime contra os
costumes, caracterizado sobretudo pelo fato de se prestar assistência à
libidinagem alheia, ou dela se tirar proveito, e cujas modalidades são o proxenetismo,
o rufianismo e o tráfico de mulheres.
Proxenetismo é o tipo de lenocínio que consiste em
servir, como mediador, intermediário à libidinagem alheia, favorecendo a
prostituição, mantendo prostíbulos ou lugares destinados a fins libidinosos.
Proxeneta ou cafetão é aquele que exerce o proxenetismo. Já o rufianismo é a
modalidade de lenocínio que, resumidamente, quer dizer aquele que vive à custa
de prostitutas, também pode ser considerado um corretor de prostitutas.
Exemplos de lenocínio não faltam. A “locadora de mulheres”, que há pouco tempo
tentaram instalar em Cajazeiras, tendo sido coibida pela justiça é um deles.
Ficção e realidade
Para ilustrar essas definições recorramos à ficção.
Recordemos a novela Gabriela, ela mostrou todos esses tipos. Quem assistiu o seriado,
certamente lembrará de Maria Machadão, a cafetã do Bataclan, cabaré que servia
de “abrigo” para as moças desvirginadas da cidade, além de outras recrutadas da
miséria, pobreza e promiscuidade existentes no lugar. Evocará que alí, também,
leiloava-se virgens. Aliás, Machadão orgulhava-se em anunciar uma noitada de
leilão de virgem. Também pudera: era lucro alto na certa.
Nessas noites, os coronéis da cidade produziam-se para
irem ao estabelecimento participar da disputa por uma donzela. A cena em que a
menor Ina entra carregada em uma bandeja para leilão de sua virgindade, pelos
coronéis, é um fato que, embora fictício, por via de regra, corresponde a nossa
realidade, diferindo apenas na forma de operacionalização. Nesse capítulo,
viu-se a menor Ina ser arrematada pelo pedófilo Jesuino, um coronel grosseiro e
estuprador contumaz de D.Sinhazinha, sua esposa. Lamentavelmente, no mundo
ainda existem muitos Jesuínos.
Sobre o assunto, há ainda dois conceitos que merecem
explicação. O primeiro trata-se da castidade, termo que às vezes utiliza-se
equivocadamente. Casto é o homem ou mulher que se abstém de quaisquer relações
sexuais. Nunca tiveram relação sexual (oral, vaginal, anal). O segundo é a
virgindade, que se constitui em um problema mais de ordem cultural do que
fisiológico, orgânico. Refere-se simplesmente à integridade de uma membrana que
se encontra na entrada da vagina – o hímen.
Esse conceito varia de uma cultura para outra. Em
algumas tribos africanas, a mulher só deixa de ser virgem quando engravidou e
pariu. No Brasil, apesar de o machismo ainda vigorar fortemente, já não se
exige tanto a virgindade quanto até as últimas décadas do século XX. A
tabuização da virgindade diminuiu muito, mesmo assim, ainda é raro encontrar-se
um jovem que prefira, para casar, uma parceira que já tenha se relacionado
sexualmente com outro homem.
Acrescente-se que, com os avanços da cirurgia plástica
e da tecnologia, hoje há várias formas de se restaurar o hímen perfurado. Esse
procedimento cirúrgico recebe várias denominações como, reparo de hímen,
reconstrução de hímen e cirurgia do hímen. Todas podem ser resumidas na palavra
himenoplastia que é a cirurgia plástica que restaura o hímen.
Nesse contexto, os fabricantes de materiais,
instrumentais e equipamentos médicos não perderam tempo e logo criaram um hímen
artificial também conhecido como kit virgindade artificial (e popularmente
conhecido como hímen chinês ou falso). Trata-se de um tipo de membrana, de uma
prótese criada com a finalidade de simular um hímen intacto humano. Os
defensores do hímen artificial argumentam com entusiasmo que, “enquanto o
procedimento da himenoplastia requer admissão a uma clínica e pode custar caro,
o hímen artificial fornece uma maneira muito mais barata e conveniente para se
tornar uma virgem outra vez.”
Como se vê, a virgindade é um tema com implicações nos
âmbitos da sexualidade, da cultura, da sociedade, da economia, da saúde, da
ética e do direito. Sendo, portanto, preciso muita serenidade e cautela para
quem deseja vendê-la ou comprá-la. Um negócio arriscado que a universitária,
natural de Itapema, SC e o milionário japonês Natsu irão enfrentar, certamente
com uma confiança limitada, um medo aparente e um sentimento de culpa que
haverá de brotar em futuro próximo. E mais: as interferências no psiquismo de
ambos, as quais, mesmo que tentem a todo custo camuflar, exteriorizar-se-ão
através de dores, que apesar de invisíveis, lhes machucarão e lhes magoarão
para o resto da vida.
(Esse ensaio será concluído na próxima coluna - pbnoticias.com e no garimpandopalavras)
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