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sábado, 23 de fevereiro de 2013

Internação compulsória para usuários de crack: pune ou recupera?


Inácio A. Torres
Foto:globo
Não só é polêmico, como carente de uma discussão com aprofundamento ético, o feito de obrigatoriedade de internação do usuário de crack no Brasil. No campo da bioética fere o principio da autonomia, pois nesse caso a atitude utilizada pelo estado desconsidera o direito do dependente. O estado determina o que deve ser feito e o usuário tem a obrigação de obedecer. Portanto não lhe resta outra opção.
É bom lembrar que, conforme a Constituição cidadã de 1988, qualquer atitude que obrigue o cidadão a fazer aquilo que não deseja pode ser traduzida como uma tortura. Tortura que no dizer do Aurélio quer dizer um suplício ou um tormento violento infligido a alguém. Uma grande mágoa. Pode-se dizer até que é subtrair a liberdade e a independência de alguém. E sem liberdade e sem independência perde-se a vontade de viver.
O médico Talvane de Moraes, especialista em psiquiatria forense e membro da Associação Brasileira de Psiquiatria, afirma que o investimento em saúde mental no Brasil caiu muito de 1993 para 2011, com a redução de 120 mil leitos para cerca de 32 mil. Para ele a internação só deva ser usada como último recurso e a partir de uma relação médico-paciente, nunca por ordem judicial. Ele argumenta ainda: “a internação psiquiátrica é um ato médico. A Constituição de 1988 preconiza a prevalência da vida e da liberdade, então qualquer modalidade de internação só será indicada quando os recursos extra-hospitalares se mostrarem insuficientes. A internação deve ser usada sempre como exceção.”
O assunto é polêmico. O enfrentamento exige ponderação e sensatez. O psiquiatra Paulo Amarante, que é também pesquisador da Escola Nacional de Saúde Pública da Fundação Oswaldo Cruz (Fiocruz) e presidente da Associação Brasileira de Saúde Mental (Abrasme) explica com muita clareza e segurança que a maior dificuldade para o combate ao uso de crack e outras drogas é a inexistência de uma rede de assistência forte e a falta de investimento dos governos nos últimos anos.
Desde 2002 – argumenta Amarante - existe no Brasil uma lei que criou os centros de Atenção Psicossocial para álcool e drogas (CAPs), que hoje são raríssimos. O governo federal, os estados e municípios não investiram. O serviço oferecido pelos CAPs é eficiente por não trabalhar com a exclusão nem com a internação compulsória. No sentido clássico, não internam usuários, porém tem que ter leitos 24 horas, leitos de assistência, onde as pessoas sentem que são atendidas sem perder os seus direitos. A grande questão da internação compulsória, de todo tratamento feito sem vontade, é que ele tem baixa eficácia.
A psicóloga Luana Ruff, pesquisadora do Instituto de Psiquiatria da Universidade Federal do Rio de Janeiro (Ipub/UFRJ), adverte que o crack é uma droga de ação e dependência muito rápidas, causando devastação. Além disso, é útil lembrar que muitos usuários se encontram em situação de rua e tendo dificuldades para procurar tratamento. Segunda ela, o problema pode ser reduzido através de um trabalho realizado em rede, ou seja, seguindo alguns passou de forma sistemática e com periodicidade, fazendo, por exemplo, a abordagem clínica individualizada, com consulta médica, consulta psicológica, tratamento prioritariamente ambulatorial, equipe multidisciplinar e consultório com um bom acolhimento na rua, para a criação de vínculo para, a partir daí, o usuário procurar a assistência.
O médico Luiz Carvalho Netto, coordenador de enfermaria da Unidade Docente-Assistencial de Psiquiatria do Hospital Universitário Pedro Ernesto, da Universidade do Estado do Rio de Janeiro (Uerj), faz um comparativo interessante: enquanto o álcool é a droga que causa mais danos à sociedade, o crack é a que causa mais problemas ao indivíduo e a família. O Brasil, afirma esse profissional, é o maior consumidor de crack e o segundo de cocaína do mundo, perdendo apenas para os Estados Unidos. Para ele o perfil do usuário de crack pode ser assim tipificado: homens adultos jovens, de baixa escolaridade e baixa faixa de renda, com família desestruturada e envolvimento em atividades ilegais. Geralmente tornam-se usuários iniciando-se com drogas lícitas, como cigarro e álcool, até chegar aocrack.
grupososamoraoproximo.blogspot.com
Eduardo Mourão Vasconcelos, professor da Escola de Serviço Social da UFRJ realça que o crack por chegar a locais públicos, tornou-se uma droga que alertou a sociedade sobretudo dos grandes centros urbanos. Nesses centros, com a entrada do crack em larga escala, tem havido uma “apelação para a limpeza urbana”, materializada com ações do tipo retirada de usuários das ruas e o encaminhamento para centros de reabilitação compulsórios. Todavia, defende Vasaconcelos, esse vazio assistencial não justifica a internação compulsória em massa”.
 Como se vê, o uso de drogas é um problema mundial. Está fortemente vinculado ao indivíduo, a família e a comunidade. E hoje sabe-se que pelo discurso da ordem não se resolve. Entra nesse mundo infeliz que já se encontra como psiquismo abalado. Como diz o psiquiatra Paulo Amarante, a pessoa não vai para a droga só pela droga, ela vai por alguma necessidade interna, alguma coisa social, alguma questão da sua estrutura familiar ou social que não dá conta do seu sofrimento, do seu vazio, não dá conta de algo que ela precise, então ela busca a droga.
De fato não é fácil mas há alternativas viáveis para solução ou redução desse problema. Citemos algumas delas criadas no Brasil e já existentes noutros lugares do exterior. No caso do Brasil, primeiro deve-se ampliar urgentemente os serviços ambulatoriais e capacitar trabalhadores para atuação nesse setor; a utilização da arte como forma de inclusão de usuários; e a política de redução de danos. Essa última existe em vários países e funciona, conforme explicação do Dr. Amarante, mais ou menos assim: “Em vez de a pessoa usar o cracklá na rua, onde pode se cortar com a lata, ela tem um local onde é assistida. Pode parecer polêmico, mas é um certo preconceito, da nossa ideia de tratamento, de que tem que ser com uma abstinência completa”.
Pensata – O uso de drogas tornou-se um problema de saúde pública no mundo inteiro. Há necessidade de que governantes e populações sejam sensibilizadas e esclarecidas sobre os danos, implicações e complicações advindos dessa situação para o hoje e o amanhã. Existem alternativas para solução ou redução do problema em médio ou longo prazo. O combate tem de ser iniciado e estabelecido de forma permanente. O esforço para esse enfrentamento tem de partir de indivíduos, famílias, comunidades e governos. O melhor instrumento ainda é o discurso da pedagogia preventiva repassado na educação infantil, ensinos fundamental e médio. Por fim, sem nenhum demérito a estratégia carioca, mas ainda ficamos na dúvida aguardando os resultados e a resposta para a indagação? Internação compulsória para usuários de crack: pune ou recupera?

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